terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Entrevista da época de lançamento do filme "O vestido"






Apostando no melodrama, o diretor Paulo Thiago (Policarpo Quaresma, Jorge, Um Brasileiro) lança no próximo dia 14 de maio seu mais novo longa-metragem, O Vestido.

Adaptado do romance de Carlos Herculano Lopes, por sua vez inspirado no poema Caso do Vestido, de Carlos Drummond de Andrade, o filme traz no elenco Gabriela Duarte e Leonardo Vieira, na história de uma mulher, Ângela (Ana Beatriz Nogueira), que, por amor, entrega seu marido Ulisses (Vieira) à amante (Gabriela). O Cinema em Cena esteve na coletiva com os dois atores, onde eles falaram sobre seus personagens, as dificuldades de transformar versos poéticos em falas coloquiais e a questão principal que o filme propõe: ainda é possível acreditar em amor eterno? Confira como foi a conversa:

Quando o Paulo Thiago estava escolhendo o elenco, ele não queria algo clichê para Bárbara. Queria uma atriz que tivesse pureza, mas também conseguisse passar o lado erótico. Para você foi difícil trabalhar com essa personagem?

Gabriela Duarte: Foi. Na verdade, eu acho que dessa forma, com essa intensidade, eu nunca tinha feito. Eu já tinha exercitado assim um pouquinho essa coisa que é muito do universo do Nelson Rodrigues: a menina com carinha de anjo, num ambiente normalista, que desperta vários desejos. Ao mesmo tempo, eu nunca tive a chance de fazer uma coisa que exigisse um mergulho maior nesse universo, um universo mais envolvido em tabus. A Bárbara é uma mulher que não tem nada a perder, uma mulher aventureira, ela simplesmente tem uma missão a cumprir e vai fundo naquilo de uma forma muito natural, muito normal. Eu acho que é isso que a diferencia de nós. Porque todos nós fazemos coisas surpreendentes, que mesmo a gente não acredita que é capaz de fazer, isso está em todo mundo, mas o que diferencia ela de mim ou das pessoas que a gente convive mais no dia a dia é realmente essa frieza, essa determinação.

E você acredita nesse amor de entrega, sem cobrança, de espera?

Gabriela: Eu acredito. Acho que existem casos que tem que ser analisados totalmente a parte um do outro. Acho que não é uma regra, o amor não funciona sempre dessa forma. Eu tenho certeza que existe esse tipo de amor generoso, ter tanta certeza no amor, tanta convicção nesse sentimento, que a pessoa sabe que o melhor a fazer é abrir mão dele para que ele volte. Eu já vivi isso na minha vida, óbvio que não nessa proporção tão melodramática e tal, mas eu já vivi isso. Tem momentos na vida que você fala: “Vai...”. Porque você acredita que o ato de dizer “vai”, vai fazer com que a pessoa volte. E é lógico que (no filme) isso está num contexto exacerbado. Além de ela dizer “vai”, atrás disso ainda tem um pedido, que é um pedido dela (Bárbara) para ele (Ulisses) e dele para a esposa (Ângela).

E você, Leonardo, acredita?

Leonardo Vieira: Eu acredito nesse tipo de amor. Não que eu acredite para mim, mas eu acredito que existe esse tipo de amor. Não sei se a mulher de hoje, a mulher urbana, a mulher que está no mercado de trabalho, que estuda, se ela está disposta a esse tipo de vivência, de se colocar nessa situação. Mas eu acho que ainda existem muitas mulheres assim. Acredito que no interior, talvez, em sociedades mais conservadoras. Por exemplo, eu vejo meu pai e minha mãe, que são casados há 40 anos. Com certeza eles já tiveram os problemas deles, mas eles estão lá, estão juntos. Porque tem uma coisa que é mais importante do que a fidelidade. Hoje as pessoas priorizam muito essa coisa da fidelidade. A fidelidade passou a ser a mola-mestre dos relacionamentos. E na verdade tem muitas pessoas que não dão tanto valor a isso ainda, valorizam mais o sentimento da tradição, a família, o conservadorismo.

Gabriela: É, o amor se transformou um pouco. Com a mulher se emancipando um pouco mais, ele foi ficando mais descartável, mais individualista. Você não serve pra mim, então, próximo. Antigamente, ainda existia esse mito do amor religioso, do amor até que a morte nos separe. Então, acho que existe hoje em dia, mas em outro contexto.

Foi difícil para você, Leonardo, interpretar um personagem que é melodramático? A linguagem tem um pouco de lirismo, de poema, teve alguma dificuldade de usar essa linguagem?

Leonardo: A dificuldade pra mim estava em falar poesia como se eu estivesse falando, “me dá um copo d’água”. Como é que eu vou falar: “Algo de novo e misterioso há de acontecer na minha vida como a beleza dessa cachoeira”? Como é que fala isso sem ficar grandeloquente, sem ficar pomposo? Esse era o desafio, porque os diálogos estão permeados por frases de poesia do Drummond. Então vamos pegar essas frases do Drummond e transformar em simples diálogos coloquiais. Esse foi o maior desafio para mim.

Como é que você preparou seu personagem? Dá para sentir ali um sotaque mineiro. Como é que foi a construção?

Leonardo: Eu me inspirei muito no meu irmão, o Gustavo, que é um cara da minha idade, um pouquinho mais velho que eu, que tem duas filhas, e que está suando para educá-las, passa por dificuldades como todo brasileiro e tem esse jeitão meio mineirão mesmo, de quem vive em Minas. Então eu me inspirei nele. Ele não é carioca, mas ele vive em Minas há anos. O sotaque pra mim não é um mistério, não. Minha família mora em Minas, mora em Juiz de Fora, então eu já tenho intimidade com o sotaque – embora eu não achasse que fosse importante para o filme, mas achei que era interessante, porque era um detalhe a mais para o meu personagem.

E você Gabriela, qual foi sua inspiração para fazer a Bárbara?

Gabriela: Eu não me inspirei especificamente em ninguém. Eu fui buscar a Bárbara no papel mesmo, no poema, no roteiro. Logo como quando começou, como eu não tinha tanta experiência em cinema assim, eu ouvi uma frase que foi muito importante. A Camila Amado que falou: “Qualquer coisa que você for buscar de elemento na sua personagem, procura no texto, está lá”. A maneira como as pessoas falam de você, se referem a você. A criação tem que estar dentro do roteiro, ela não pode estar fora. É claro que eu, por exemplo, gosto de sair do roteiro, também, e construir a personagem, sei lá, na minha psicanálise. Eu fui consultar minha psicanalista, tive muitas sessões falando da Bárbara, falando de uma pessoa que vê o amor, que vê essa relação homem/mulher de uma forma tão distorcida, que além de seduzir, já que isso ela sabe que vai conseguir, ela quer destruir. Essa personagem te dá uma liberdade absurda de construção. Porque ela é tudo, ela se transforma ao longo do filme.

Parece que quando ela tira a peruca, ela muda completamente...

Gabriela: Muda. Ela muda completamente, ela fala, “eu não tenho mais porque interpretar, agora eu posso ser eu”. Aí quando ela se sente autorizada a ser ela mesma, ela se dana, né... Porque ela se apaixona. Então ela é uma personagem que dá pra você construir em cima de uma base muito sólida, de uma forma muito rica. Acho que quando o personagem tem mais sutilezas é mais complicado. E ela não tem muitas sutilezas assim. Têm algumas, tem um acabamento, mas no geral, ela é toda meio situações-limite.

E você já cantava ou se preparou só para aquela cena do filme?

Eu me preparei um pouquinho, mas não é a minha área. Mas foi legal, porque eu acho que essa mulher pode tudo. Essa personagem serviu como um escudo para mim. Sabia que ela ia se expor muito, mas ao mesmo tempo ela mesma ia me proteger, porque ela pode tudo.

Como é que foi para vocês trabalhar com o Paulo José (que tem uma participação na segunda metade de O Vestido como Dr. Espanhol)?

Leonardo: Eu nunca tinha trabalhado com o Paulo. Foi, assim, um prazer, porque é uma aula. A gente está tendo ali uma aula ao vivo e a cores de olho. O Paulo é um ator extremamente experiente e você percebe o tom que ele usa, qual é o registro vocal dele, como ele se comporta no set. O Paulo chega no set e já é o personagem. Ele não espera dar o “ação” para virar o Doutor Espanhol. Ele já chega no set Doutor Espanhol. Aliás, eu acho que ele vai dormir Doutor Espanhol, ele acorda Doutor Espanhol. Ele vive.

Gabriela: É algo que acontece no cinema. Eu batalhei de certa forma para ter essa postura. Acho que no cinema você pode se permitir ser aquela pessoa por um tempo. Não é como na TV, que acaba um dia e parece uma repartição pública. Porque ninguém consegue ficar vestido de personagem por um ano. E quem consegue, na boa, se dá mal. Você tem sua vida, você tem que conviver com sua família. Agora, durante dois meses, nove semanas, sei lá, você consegue ser aquela pessoa nos momentos mais inusitados, nos detalhes das coisas, então é uma coisa que o cinema te permite muito e é uma conquista que eu queria pra mim. Eu tinha um medo de voltar para o Rio de Janeiro. Eu voltei poucas vezes, mas tinha medo de me desligar da personagem, de sair daquele ambiente e daí voltar pra minha vidinha.

Leonardo: Pois é, o Paulo José é assim, um mestre.

Você aprendeu a garimpar?

Leonardo: Aprendi! No momento em que o personagem está garimpando, ele não precisava ter tanta habilidade com a bateia, aquele instrumento, e era até bom que não tivesse muita habilidade. Então eu não precisei muito me tornar um garimpeiro fera.

Qual cena vocês mais gostaram de fazer e qual cena mais gostaram de ver na tela?

Leonardo: Eu gosto muito da cena em que a Gabriela fala: “Ulisses, se você me deixar eu taco fogo na casa!”. Eu gosto dessa cena. Eu gostei de fazer essa cena. Uma cena simples, aparentemente simples, que eu gostei de fazer, acho que tinha um clima bom. A gente já estava muito entrosado, a gente já estava no estúdio, filmado horrores, vivido tudo.

Gabriela: Eu também gosto muito dessa seqüência, aquela festa, que é uma doideira, ela está bêbada. Eu gosto muito da fase decadente da Bárbara, eu adorei filmar aquilo. Aquele despojamento, sabe? Eu gosto do início também, da fase mais montada dela, de peruca, interpretando, mas eu acho que a segunda fase é mais envolvedora.

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